Sua história não será esquecida pelo seu povo: 36 anos sem Raul Seixas


O ano era 1979. Raul Seixas, o eterno Maluco Beleza, vivia um dos períodos mais sombrios de sua trajetória. O artista que havia conquistado o Brasil com seu rock filosófico, esotérico e rebelde, afundava-se cada vez mais em um abismo pessoal — uma fase em que a genialidade parecia brigar com os próprios demônios internos.

Diferente dos anos anteriores, quando o álcool sempre foi seu maior vício, Raul havia mergulhado também na cocaína. E não foi uma queda leve. As drogas, somadas ao estilo de vida caótico, fizeram com que sua segunda esposa, Glória Vaquer, o deixasse — repetindo o destino da primeira, Edith Wisner. Ambas não aguentaram o peso de uma convivência marcada por farras, desequilíbrio e autodestruição.

Nesse momento barra-pesada, Raul estava rodeado por figuras igualmente marginais. Entre elas, o argentino Oscar Rasmussen, um personagem obscuro, bem conhecido do submundo das drogas no Baixo Leblon. A presença de Rasmussen na vida do cantor culminaria em um dos episódios mais bizarros de sua carreira: o assassinato de Hugo Angel, outro argentino, dentro do apartamento de Raul, por Cláudio Dias — um “aviãozinho” do tráfico.

Embora Raul não tenha tido envolvimento direto com o crime, o ocorrido manchou ainda mais sua imagem. Posteriormente, o assassinato de Wilson Matos, patrão de Cláudio, no episódio conhecido como Massacre de Piabetá, levou parte da imprensa sensacionalista a tentar (sem sucesso) associar os dois fatos.

Em meio a essa tempestade, Raul Seixas lançou seu 9º disco: “Por Quem os Sinos Dobram”. Um trabalho sombrio, visceral e profundamente pessoal. Pela primeira vez, Raul estava sem uma parceria musical sólida, sem apoio familiar e emocionalmente à deriva. O álbum nasceu dessa escuridão — e carrega as marcas dela em cada acorde.

Todas as faixas, com exceção de “Movido à Álcool” (coassinada por Tânia Menna), são creditadas a Raul e Oscar Rasmussen — um fato que até hoje intriga fãs e pesquisadores, já que Rasmussen nunca foi compositor, músico ou sequer ligado ao universo artístico. Seu “dom” era navegar entre bocas de fumo e ambientes marginais. É provável que a parceria tenha sido uma retribuição, uma alucinação criativa ou até mesmo uma provocação deliberada de Raul à indústria fonográfica.

O disco foi um fracasso comercial. Pouco tocado nas rádios, mal promovido pela gravadora, caiu rapidamente no esquecimento do grande público. Mas para os fãs mais devotos, “Por Quem os Sinos Dobram” é uma joia rara — um diário de confissões intensas e doloridas. A música “Diamante de Mendigo”, por exemplo, é uma das mais impactantes da carreira do artista. Autobiográfica, crua e melancólica, revela um Raul Seixas devastado, reconhecendo perdas irreparáveis e atirando farpas contra seu antigo parceiro, Paulo Coelho:
“Eu tive que perder minha família / Para perceber o benefício / Que ela me proporcionava.”

Apesar de ser um “lado B” em sua discografia, o álbum conta com participações de peso: Dori Caymmi no violão e Danilo Caymmi na flauta, emprestando uma qualidade sonora sofisticada a um conteúdo lírico profundamente turbulento.

Hoje, 36 anos após sua morte, Raul continua sendo um ícone incontestável da música brasileira. Sua obra resiste ao tempo, e sua figura permanece viva na cultura popular — das camisetas em feiras de artesanato às rodas de violão em praças, das tatuagens com frases icônicas aos palcos de novas gerações que descobrem, fascinado, o som do Maluco Beleza.

Sua história não será esquecida pelo seu povo.
E, se quiser conhecer um Raul diferente, mais humano e mais quebrado, comece por esse disco. “Por Quem os Sinos Dobram” não é um álbum para as massas — é um sussurro de alma perdida, um grito abafado na madrugada. E, por isso mesmo, talvez seja um dos trabalhos mais autênticos de toda sua carreira.

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