MEU PONTO DE VISTA: SUPREMO DECIDE SEU PRÓPRIO FUTURO, NÃO O DE LULA

Um tribunal chamado Supremo tem o mesmo problema de uma mulher chamada Rosa. A qualquer momento, seu comportamento pode desmentir o seu nome. A supremacia do Supremo convive com a ameaça constante de uma notícia inusitada —como essa de que a prisão na segunda instância, aprovada no plenário da Corte três vezes em 2016, precisa ser revista porque a Lava Jato foi longe demais e não convém colocar o Lula atrás das grades. Afinal, como Gilmar Mendes fez o favor de lembrar, ''se alguém torce para prisão de A, precisa lembrar que depois vêm B e C''.

Ironicamente, a integridade institucional do Supremo depende da Rosa. Os corruptos já farejam no voto da ministra Rosa Weber a fragrância da impunidade. Contudo, Rosa poderia fazer história nesta quarta-feira se convertesse seu voto num espinho. É a primeira vez que a ministra participa de um julgamento na condição de protagonista.

Sua posição tende a definir a parada. Rosa não precisaria fazer muito para restaurar a supremacia do Supremo. Bastaria manter a coerência. Em 2016, Rosa votou contra a prisão na segunda instância. Para ela, a pena só pode ser executada depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso nas quatro instâncias do Judiciário brasileiro, incluindo o STJ e o STF.

Desde então, a ministra participou do julgamento de 58 habeas corpus. Em 57, sua decisão foi contrária à libertação dos condenados. Para Rosa, se a maioria do plenário tomou uma decisão, ela aplica. Mesmo que prefira o caminho oposto. Rosa age assim por acreditar que o respeito às decisões da maioria confere segurança jurídica aos processos e reforça a autoridade do Supremo. Pois bem.

No caso de Lula, vale a jurisprudência de 2016. E o habeas corpus não é ferramenta adequada para alterá-la. Serve apenas para aplicá-la. Assim, se Lula foi condenado em segunda instância e não existem ilegalidades no processo, não há o que fazer senão permitir que Sergio Moro emita a ordem de prisão. O caminho para modificar a regra da prisão em segunda instância é a ação direta de constitucionalidade. Há duas tramitando no Supremo.

Relator de ambas, Marco Aurélio Mello liberou-as para julgamento em dezembro. Mas Cármen Lúcia, a presidente da Corte, decidiu não inclui-las na pauta. Disse que a jurisprudência é recente e, portanto, sua rediscussão não é prioritária. Sustentou, de resto, que, diante do caso concreto de Lula, alterar a regra da prisão seria “apequenar” o Supremo. Há duas semanas, não podendo elevar a própria estatura, a maioria dos ministros do Supremo —6 votos a 5— concedeu a Lula um deixa-pra-lá-preventivo. Nessa votação, Rosa foi 100% pétalas, ajudando a compor a maioria. Trama-se agora uma manobra jurídica para transformar o habeas corpus de Lula num degrau para alcançar um deixa-pra-lá amplo, geral, irrestrito e permanente.

Isso apequenaria o Supremo de tal maneira que sua supremacia caberia numa caixa de fósforos. Em memorial enviado ao Supremo nesta terça-feira (3), a procuradora-geral da República Raquel Dogde apostou suas fichas nos espinhos de Rosa. Sustentou que a revisão da jurisprudência do tribunal só faria sentido se a prisão na segunda instância tivesse se revelado algo “errado, injusto e obsoleto, agredindo o sentimento de justiça do cidadão comum.”
Fonte: Josias de Souza/UOL

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