Quando os tiros eram de festim e o suor não se comparava ao sangue de hoje

Arma São joão

A expectativa começava cedo, mas a explosão dos festejos ocorria ao anoitecer. O banho rápido para vestir a calça com remendos improvisados, a camisa quadriculada, o tênis da escola mesmo, que servia, e o chapéu que usara em outros São Joões. Canjica, milho e a velha fogueira criteriosamente montada por meu pai, já com pequenas labaredas. Os estrondos e fogos assustavam o pequeno Lup, um vira-lata que todos adotaram como o protetor da rua. O momento mais esperado daquele dia era a quadrilha, a qual passamos semanas ensaiando, só para aquele momento. Naquelas alturas, todos já tinham seus pares — não somente da dança, mas das paixões despertadas ao longo dos passos coreografados de canções que quase sempre falavam de amor. Ainda sinto o cheiro da fumaça da fogueira que irritava até os olhos, mas eu nem ligava. O perfume de Avon era melhor. “Era bom demais.”

Porém, essas lembranças desse tempo gostoso feito canjica com canela parecem estar em pleno declínio, em uma avassaladora troca de valores, de culturas e de paixões que, para quem viveu o que eu vivi, engole hoje um caroço de milho amargo, come a pamonha sem gosto e dança ao som de músicas criativas e afinadas, porém sem a ingenuidade das canções daquele tempo.
A alegria dos arraiais de hoje parece grandes festivais, transbordantes de tanto brilho e grandiosidade.
O que este equilibrista quer dizer, de fato, é que os grandes eventos fortalecem toda uma cidade, em todos os sentidos — principalmente na economia — e isso é muito bom. No entanto, o incentivo nas comunidades, na promoção de festas juninas de pequeno porte, porém organizadas, com a presença dos artistas da terra que lutam pela vida com a música e que pulariam 300 fogueiras para ganhar 200 mil, é igualmente essencial.

Interpreto, assim, que a ausência da pungente arte cultural em alguns bairros de Natal reflete diretamente no comportamento de muitos equilibristas e Jaciaras contemporâneos que, de forma lamentável, trocaram o track pelo crack, a pescaria da sorte pela morte, a dança bonita de se ver pela “quadrilha organizada” e a festa mais apaixonante e abrasadora do Brasil pela bandoleira apertada no peito, segurando um fuzil.
Diante de tanta saudade do meu São João, só tenho a dizer uma prosa — e que entendam o que dizia meu tio-avô:
“Eu não quero pagamento, Nascimento, eu quero é outro rabo do jumento.” (Elino Julião)

Portal BO

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