Foto Inlustrativa
Na calmaria do sertão, onde o tempo parece ter outro compasso, uma antiga casa de fazenda resiste às investidas dos anos. E com ela, resistem também as lembranças de uma infância vivida entre cheiros, sons e sentimentos que nenhum progresso é capaz de apagar.
A casa de Manoel Amaro, na Baixa do Meio, não é apenas uma construção de barro, madeira e telhas antigas. É uma cápsula de memórias. Quem a conheceu sabe: há ali um pedaço de história que pulsa nas paredes, nos estalos do assoalho, nas portas que rangem como se quisessem contar segredos guardados.
Era nesse cenário que os dias corriam devagar. A alvorada vinha mansa, embalada pelo canto distante do galo e pelo aroma inconfundível do café fresco, passado na hora por dona Ana, mulher de Mané Amaro. Um ritual simples, mas cheio de afeto, que marcava o início de jornadas despreocupadas.
As tardes de verão, douradas pelo sol forte, encontravam o terreiro sombreado por trés enormes pés de figueiras. Ali, a infância se fazia festa: pés descalços na terra quente, risadas livres, uma bola improvisada e o piso que seu Manoel mandara fazer para bater feijão virava quadra de futebol. Quando o chicote do velho, destinado a animais, aparecia em riste, era hora de correr. E correr para o mato era quase tão divertido quanto o próprio jogo. Os "mato-postos", como eram chamados, tornavam-se refúgio e palco para conversas compridas, sonhos altos e um tempo que parecia não querer passar.
Na cozinha, o fogão a lenha jamais deixava faltar o cheiro de bolo. A comida simples carregava o sabor que só a roça conhece — temperado com lenha, fumaça e afeto.
Dentro da casa, havia mais que móveis antigos: havia vida. Os risos dos avós, os conselhos murmurados à sombra das lamparinas, as histórias contadas noite adentro. Cada canto guardava um gesto, um olhar, uma lembrança. Até o silêncio falava — e falava de paz.
Pensar nessa casa é mais do que nostalgia. É reencontrar um tempo em que a vida era menos apressada e mais verdadeira. É lembrar de Baixa do Meio há cinquenta anos, como quem revisita uma fotografia viva, onde o coração insiste em permanecer jovem, mesmo que o corpo e o mundo já tenham seguido em frente.
Na memória, a casa de Manoel Amaro continua de pé — firme, serena, carregando consigo o que o tempo não levou: a beleza das coisas simples e o amor que nunca envelhece.
Hoje a casa de Manoel Amaro é de fato a casa de Loura de Manoel Moura, por traz do Terminal Rodoviario no centro de Baixa do Meio.

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